Cada um dos nativos que vive frente ao mar tem um olhar largo, quer esteja no paredão frente ao mar, quer esteja para lá da linha que recorta o azul do verde. E dentro de cada um desses indivíduos da praia há uma vontade de espalhar o que sabe sobre as artes de pesca, os galeões e os naufrágios, as redes, os pescadores ou os artistas da praia.
Um desses mestres era Joaquim António, um da última geração de lobos do mar. Esquim Tonh armazenou dentro dele muitas vidas e no livro que publicou, pouco tempo antes de deixar o número dos vivos, dá a conhecer artes tão diversas como a pesca nas traineiras, a arte do espinel, o nome dos galeões e dos botes, mas também as alterações com a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia ou a vida dele próprio Joaquim António, pescador e profissional da marinha mercante nos navios que atravessavam mares «desde o glaciar Árctico ao Antárctico».
De entre os lobos do mar, amigos e artistas que o autor lembra, há também «O Poeta pintor nazareno» Mário Botas.
Joaquim António ele próprio era um artista pela maneira como tratava os amigos e como celebrou a vida, quer à mesa a brindar, quer a escrever sobre a praia.
O verdadeiro marinheiro
O verdadeiro marinheiro
Barra fora vida incerta
na gávea vigia alerta
dos lugres bacalhoeiros
Não há só um rosto triste
a bordo tudo persiste
ás fainas de dias inteiros
De vez em quando a guitarra
geme de lento bizarro
numa imagem de saudade
e o lugre ainda em mágoas
segue inforado nas águas
sem a ambição nem maldade
Na Gronelândia gelada
cruel e temendo a cilada
que os icebergs nos trazem
tudo à nossa volta é gelo
que panorama tão belo
só para se ver de passagem
Custa o sono e as mão gretadas
horríveis fortes nortadas
e a morte ás vezes também
em prol do teu lavor
seja bem dito ao pescador
filho desta pátria mãe
Então nem a nostalgia
nos lembra durante o dia
a saudade que nos assusta
por ser longo o dia é mau
há quem coma bacalhau
sem saber o que lhe custa
Quando o Mar fala
Joaquim António
ed. autor, Nazaré, 1999