20.8.13

«As Aventuras de Um Crâneo e outros textos» de Mário Botas


Volta-se sempre uma e outra vez à obra de Mário Botas. Por nos ter deixado cedo e por percebermos que dali viria muito de uma arte riquíssima.

Como uma espécie de paixão e certamente com um olhar estreito para a praia, um grupo de autores e editores reuniu em livro «alguns versos e prosas que escreveu desde 1971...até poucos dias antes da sua morte...1983». Em «Aventuras de Um Crâneo e outros textos», título de um conto de Botas, há uma sequência cronológica que nos revela poemas, fotografias, textos de catálogos e exposições, a entrevista que Rui Ferreira e Sousa fez a Mário Botas, a propósito da primeira exposição na Comissão Municipal de Turismo da Nazaré, contos, cartas e ilustrações. Muitos destes textos escritos na praia, onde nasceu e viveu, onde aprendeu a soltar - com um tio - os pincéis e as canetas tinta-da-china, onde soltava areal fora os galgos e a liberdade.
Edição simples, mas muito cuidada, organizada por Daniela Gomes, Inês Dias, Luís Manuel Gaspar e Manuel de Freitas, numa editora que tem revelado alguns dos novos (bons) poetas portugueses. Mário Botas que tanto amava a poesia, fica muitíssimo bem neste quadro.



POEMA A ARTUR DO CRUZEIRO SEIXAS

Das bicicletas abandonadas à beira dos caminhos
escorrem cachos de madressilvas: uma a uma
a flor perdida vai-se entregando
e colhendo
as flores já não são feitas para serem abraçadas
colhidas às ocultas
mas violentadas até se saber para que lado caem
mortas de mordeduras mórbidas e lacustres.

Uma casa um grilo…
uns dentes cerrados a dizer não e sim
alternada e silenciosamente as gaivotas
contam histórias de pasmar — as asas cortadas
e um homem passa na rua a assobiar.


Nazaré, 5 de Agosto de 1971


Aventuras de Um Crâneo e outros textos
Mário Botas
Averno, 2012