26.7.12

«La Fin de L'été» de António Nunes de Almeida

Não é coisa do passado: os amores de verão na praia ainda são estórias que dão um livro. Ou pelo menos, parte dele. Acaba de ser publicado o livro «O Galo do Ernesto já não pica !» de António Nunes de Almeida, conjunto de quinze contos, em que «La Fin de L'été» conta a aventura amorosa de Eliseu, um daqueles palecos que aluga casa na praia. Este é o primeiro  livro de António Nunes de Almeida, também numa editora, Ediresistência, que acaba de se apresentar.


(...)
Eliseu chegara à Nazaré há pouco mais de uma semana. Como era hábito desde há alguns anos, ainda não se tinha divorciado de Juliana (o que ele tinha brincado com o nome! Um pouco mais de não sei o quê, e lá vinha o chamamento…”Ó Juliana traz a sopa”!), foi para a casinha de pescadores que alugara razoavelmente perto da marginal da praia. 

Porquê esse hábito? Naquele tempo a casa seria, ou tinha sido de pescadores, e para eles visitantes de verão, era não uma casinha, mas um aconchegado esconderijo de amores, mulher e marido, filhos ainda em projecto, sentiam que habitavam uma fofa nuvem, exclusiva do que sentiam um pelo outro.

Agora só, filhos em projecto deles próprios, netos às vezes quando falhava ou estava fechado o ATL, profissão de revisor de contas com as contas já arrumadas há demasiados anos, Eliseu continuava, sem saber muito bem ou conscientemente porquê, a pousar a mala de férias na entrada da casa onde outrora tivera como seu um quarto apenas, a tal nuvem fofa que endurecera com o tempo…

Fazia-lhe falta, ou melhor dizendo, sentia a falta do Zé da Manha (tal era a sua arte da pesca para lhe darem o cognome!) e da sua irreverente mulher das sete saias, a Miquinhas. Ela devia ter outro nome, Manuela, até Marcolina ou parecido, mas Miquinhas tinha sido o nome pelo qual lhe disseram…”Procure a Miquinhas que tem um quartinho para alugar!”, e como tinha mesmo, dessa maneira a chamou e Miquinhas ficou. Há muito mais de uma dezena de anos, Deus meu!...

Ainda recordava que com a colaboração feminina da Juliana, passada uma pouca da vergonha inicial, conseguiram mesmo contar as saias, seriam sete ou era só lenda?

Onde é que já iam as calças aos quadrados do Zé Justino? Deste soube logo o verdadeiro nome. Mas olhe que com a mesma rapidez com que o aprendeu, também o deixou de usar!

Pouco o via, as redes entravam cedo no mar e davam tarefa pesada na volta! Viam, isso sim, a muitas vezes atribulada saída e arribação dos barcos - um susto para quem neles nunca andara – e a espantosa operação da xávega! Homens e mulheres, bois e quem quisesse ajudar – Eliseu e a mulher quiseram – aplicavam corpo e alma a trazer à areia as redes que se queriam pandas de peixe e rendimento das companhas e famílias! 

Quisera mesmo tentar uma saída num daqueles barcos da arte da xávega, proa altiva a dizer às ondas …”és forte mas eu rompo-te!”. Em vão, mas sempre lhe deram lugar numa traineira em dia raro de mar muito manso.

Para eles o tempo de praia começava cedo, pelos começos de Junho as estranhas férias de um homem das contabilidades e de uma telefonista com turnos, obrigavam a ginásticas de calendários, com alguma vantagem é certo, havia menos gente para a praia dos banhos e a pesca era ainda muito a tradicional.

Enfim, verões, pescas, Miquinhas e Juliana eram já só fantasmas na cabeça no passeio de todos os dias pela Av. da República. Era penoso, mas eram assuntos do passado.

Não se sentia turista na Nazaré, tantos banhos ali passados, mas ainda gostava de uma subida ou outra no ascensor agora remodelado e menos virado para o perigo, como no antigamente. Se o dia estava bonito, pouco ventoso, aventurava-se monte acima até ao Sítio. Mesmo sem ligar à marca da pata do cavalo de D. Fuas em chão que a Câmara ia cuidando com desvelo sempre de olho nos proventos turísticos, continuava a apreciar a vista da cidade lá de cima, do muro, e em calma entrava no Santuário ou regalava os sentidos com uma leitura sossegada, praia aos pés lá em baixo.

Raizes há de difícil arrancamento! Contas são sempre contas de respeitar, mesmo que apenas se medite sobre elas ao ver ouros e pratas no tesouro clerical do Santuário.

- Pardons, messieur! Oú est la
- …a pata do D.Fuas? 

Atabalhoara a resposta como se o almirante tivesse tido patas e o cavalo andasse na sela! Mas esse foi o primeiro contacto, o resultado de um primeiro sobressalto com uma visão feminina inopinada de há algum tempo a esta parte, Helena, melhor pronunciar Héléná, para fazer jus à pergunta francesa.

- Quoi?
- Só fala francês, a madame?
- Non, comprendo un peux de português…
(...)


O Galo do Ernesto já não pica !
António Nunes de Almeida
com prefácio de Urbano Tavares Rodrigues
colecção resistência, ediresistência, julho 2012